terça-feira, 14 de dezembro de 2010

O que você tem ?




Posso acabar com meus sonhos
E me variar entre desistente e alucinado
Com um pouco mais de álcool do que o comum
E chamar os amigos de policiais disfarçados

Gritar com as paredes , para que me escutem
Entender as folhas , e aliviar o solo , dormir mais
Sempre cabe uma dorzinha quando estou mais calmo
E isso me desconecta da busca pelo que esqueço sempre que estou buscando

Nas montanhas ali à frente , vejo as nuvens que se escondem
No montante mal , cravando os dentes no meu sangue
E por não sentir , acho-me um monstro pragmático
Que se expõe demais , pra quem não está nem aí

Gosto , mas gasto mais ainda
E nem que eu quisesse só um , os outros não respeitam muito isso
Calor com gotas d'água movimentando sais que não preciso
Me exercito , e com a sede , busco fazer novos amigos

Chamo os nomes na lista , e respondo quando escuto bem
Enlouqueço meus queridos , e minhas adversidades
Numa calma que só um anjo deveria ter …
Mas nem sou santo , peco um pouco … o corpo pede , o que fazer ?

Nas mentes , aliviadas com tóxicos …
Nas roupas , impregnadas da falta de luz …
No que , originalmente , era são … e hoje faz coro de tristeza
Eu ainda encontro um pouco de mim , onde nem costumava olhar

Na falta de atenção , surge a mágica
Assim como , na falta de oportunidade … surge o autoflagelo
Doce suicídio a longo prazo , morto de vontade … pouco à vontade
Perco a vontade … daí ouço sempre a mesma coisa :
O que você tem ?” .

Daniel Sena Pires – O que você tem ? (15/11/2010)

Prisma




Raio de sol
Esquentastes o frio lá no Japão ?
Feito menino levado , nunca pedes passagem
E vais invadindo as casas mudas ainda cedo

Distúrbio de Apolo , cavalgando sobre a terra
Às vezes , com teu calor , trazes contigo feições satisfeitas
Mas trazes dor também
E até me queimas , danado !

Subitamente engolido pela escuridão do universo
Fico sentado no balanço lá fora
Louco pelo teu beijo em minha face sem brilho
À espera de ti , e a cor libertada sobre o vidro na janela

Vem
Alimenta nosso verde , e traz luz aos nossos corações
E se um dia parares de brilhar ?

Me prometas que se , caso partires para não mais voltar
Avisas a mim e aos românticos que tanto o amam
Eu não sobreviveria sem o teu “bom dia” , raio de sol .
Nem um dia .

Daniel Sena Pires – Prisma (27/08/2010)

Camomila




Uma pessoa frustrada , incompleta
Diagnosticada pelos olhos indiferentes de quem não se importa
Inalando momentos imóveis
Se acaso não entendas , por favor não ensine-a como ser melhor

Vasos quebrados no jardim inteiro
Sorte vazada entre os dedos , estigmas espalhados aos milhares
Essas marcas de nascença e de vida mórbida
Esses dizeres de quem as virtudes expõe-se fracas

E o que se fala , nada adverte
No peito esconde-se a mágoa incógnita
Que não há motivo nem hora ruim
E acaba com tudo , o pouco , as horas que não passam

Alguém admitiu as ácidas investidas , doeu
Pensando , lhe veio um caso impróprio
Quase madrugada , é o bastante , suportar é adequar-se
Ou preparar-se para o destino dançante

E , cambaleante , as linhas disformes que , na vida , facilmente se quebram
Seguem-se ao longo dos anos
É impossível adquirir-se futuro dos passados não vividos
Passar por tudo é só mais um obstáculo , depois de lutar e lutar …

Só nos resta padecer , falecer …
Nos desintegrarmos no solo .

Pó humano .

Daniel Sena Pires

L'or et rien (Ouro e nada)




Hoje , acordei príncipe
Mas , sem cavalo , meu encanto é tentar não me arruinar
Devagar e com jeito , sem me alimentar direito
Futurei atingir algo que eu , na verdade , nem queria
Mas precisava , minha imagem importa agora
Meu controle abrange alguns atos e desejos
Brincadeiras noturnas , e domingos tristes

Pés castigados
Doce veneno nas bocas mais falantes
E cansaço , muito esforço … pouco retorno
Calos nas mãos , e mente sonolenta
Obedecendo sempre aquelas vozes mais altivas
Quais soluçam quando perguntadas sobre algo
E que se calam , bolsos cheios de vergonha

Ouro ?
O planalto inteiro , agora , é depressão
Mas não vale nada
O “ ter-se escolha “ é só uma ilusão

Eu perguntei :
Vamos criar um lugar diferente para os nossos filhos ?

E ninguém respondeu .

Daniel Sena Pires – Ouro e nada (29/08/2010)

Eu




Quando falo sobre amor
Provavelmente nem estou amando alguém
É só desejo , por algo que nunca tive
E necessidade de alguém para me fazer valer

Meu corpo se destrói sozinho
Nervoso , inquieto , triste … desguardado
Faz frio à noite , e o dia , simplesmente , morreu
Sou um galho em uma árvore seca , com vícios malditos

Parece que os amigos estão mentindo
Não há qualquer valor em qualquer momento
E se não durmo tão bem como quando criança
A culpa é toda minha , a solidão me confunde

Vou deitar um pouco e descansar
Comer algo gostoso antes

Os leves prazeres me distraem das atrocidades
Mas Deus sabe com quanto de dor eu preciso lidar .

Daniel Sena Pires – Eu (11/09/2010)

Cílios iluminados





Vais ?
Eu sou um rapaz com gostos comuns
Cílios iluminados , os sóis sobre os rostos
Tudo me fascina e me faz flutuar

Mas ao saíres , destranque a porta
Ouvi dizer que querem me encontrar
Tomara que seja quem eu busque(Buscava)
Trazendo arcas de versos novos

Rumores de uma guerra dentro de mim
Dizem que eu preciso de carinho
Ou de uma bebida caprichada e sedativa
Não sei … ando tão indeciso

Vou acatar a decisão dos outros , por enquanto
Estou meio cansado de pensar
Quero meu corpo esperto , e a mente alerta
Na hora certa , não vou fugir

Ei , vem ver como estou tremendo
Eu te avisei … não me deixe por aí

É engraçado , tantas vezes eu perdi o sono
Mas hoje foi bonito …
Catei espinhos por todas as almas que tenho
Em faces que em nada se parecem .

Daniel Sena Pires – Cílios iluminados (22/09/2010)

Azul




E se for mesmo verdade o que eu penso que sei sentir ?
Não seria justo
Cada caso contado , ou experiência obtida
Elabora um pouco mais de insegurança

Bebi de uma fonte abstrata , surgida dentre as dores
Percebi que , ao ser sincero , perco vida um pouco mais rápido do que os outros
E que se eu não roubar as cartas que me faltam …
Padecerei , acostumado a não gostar de nada

Mas é claro que não posso me cansar assim …
Nos meus sonhos , há sempre um bom motivo pra acordar
Isso é de uma tristeza maciça , um misto calado de medo
Doravante eu provavelmente ria , escaldado … mas sem porquês
Se até o céu azul , me faz chorar …
O que eu posso dizer contra o meu instinto , contra mim mesmo ?

Nas minhas mãos , no meu desconforto …
Na minha inadequação …
Aqui , sob meu domínio … em minha paleta , numa espécie de arte morta …

Está tudo o que eu tenho …
Me chamando de fraco .
Incompleto .
Mas sensato .

Daniel Sena Pires - Azul (12/12/2010)

Insônia





Numa madrugada vivida , há conformidades supostas
E , mesmo sem dormir , minha alma descansou bem
Nada arruinou-se ao ponto de me desfocar durante o dia

O lado bom disso tudo é sempre ver o sol nascer
Um frio que acalma , e uma vaidade dispersa pelos cantos da casa
Cataclismos variam ao gosto dos operários dispostos a mais um dia árduo

Ouvi o que não deveria ouvir ?
Jurei que eram os vivos assobiando o mesmo som dos pássaros nas árvores
Ou os mortos , coitados , me avisando sobre os indícios de que nem tudo vai bem

Agigantei meu corpo à rua , e disparei transtornos seguidos de indignação
Recebi anéis de fumaça como resposta direta , indiretamente não há a correção
Vi as antigas vilas da cidade , são as mesmas desde que nasci

Todas as imperfeições do corpo , e toda busca por perfeição anônima
Qualquer forma de escrever a história que não ouse opor-se ao caos
Não merece respeito , manter-se imóvel é para quem não digere bem os fatos

Assim , nunca mais vou dormir
Está decidido , vou operar o meu corpo com sono genérico
Não vou comer , votar , suar … Nem viajar , nem sequer sozinho

A base do fracasso é algo em que podes tocar
E lembre-se que antes de qualquer fim , passarás por vários recomeços
Inúmeras chances de não te expores a dilaceração

Olhe o céu , sempre azul … mas em uma tempestade avassaladora
Está repleto de nuvens escuras , e tão triste
Mas olhe bem , espere um pouco … ainda é azul .

Daniel Sena Pires – Insônia (18/08/2010)

Nevoeiro




Fumaça , transpassando a percepção
Inodora e equivalente ao mínimo preciso
Pra gosto comum , ou gosto próprio
Inadequa-se o homem ao que lhe indaga o destino

Meu doce amor de irmão
Minha dose calma de loucura
Umas gotinhas de limão , e pronto …
Fez-se perdido o valor , e jocosos os dias ruins

De uma forma ou outra , o necessário é viajar
Nos risos ou nas frases cultas
Nos livros ou nas pontas dos icebergs inativos logo cedo
Aprendi tudo sozinho , mordendo culpa e moldando sorte

Calor , passa
Frio , há de cessar
Medo , há de passar …
Vozes profundas , sonhos incompletos

O homem dorme , sua natureza predispõe isso
Acordar acarreta num valor sentimental tão grande …
Que o prazer do quase gozo ao ver luz e movimento …
O joga na teia sedutora , ora maléfica … mas necessária

Pacato …
Fortaleza dos corpos imóveis
Onde há posse , mas não há controle
Então , no fundo … o que se dizer da malícia atingida ?

Quando dou fé , dou meu melhor
Imponho algo sacro , para que os outros não me oprimam

Presencio a vida , olhando-a de fora
Participo às vezes , quando falo ao telefone , por exemplo

A timidez me diz que não adianta forçar nada
Mas gosto da ousadia , dosada com decência … isso é lógico .

Daniel Sena Pires – Nevoeiro (15/11/2010)