segunda-feira, 25 de abril de 2011

A matemática dos amantes



Uma vez passada a noite...
Raia o sol, como há de ser
Os olhos pesam por cansaço, pois uma noite só não revigora feridas assim tão profundas
O bom ainda existe e faz força, e dá força ... acalentando

Um alicerce movediço, onde se afunda com facilidade
A imensidão que é o espírito, parece desaguar num pequeno mar de mágoas
Os pensamentos desmerecem aquilo que o corpo quer, tudo é tão igual

O corpo hiberna, já não quer nada
Já não pede abrigo
E se esbarra frente a ventos contrários
Já não se entende, vazio ...
Demais

E se viessem à tona fatos que desconheço?
Enfrentaria com violência o que até então nem sabia existir?
Ou me entregaria por medo, por pudor?
Enfeitando o destino com marcas e cicatrizes ...
Indestrutíveis

Perguntas, às vezes pequenas lutas
Às vezes a razão de toda tristeza.

Daniel Sena Pires - A matemática dos amantes (22/03/2009)

Anjos sobrevoando corpos já sem vida


Nas noites escondidas entre dias ruins, sem muita coisa pra fazer
O sono é mesmo difícil, então, acordado, penso, nem penso
Me engano, esperando os olhos pesarem
É verdade que o desespero, que hoje me invade, mais tarde me trará paz?
Descartei a possibilidade de me forçar à dormir
Quero tudo fluindo naturalmente, vindo como há de vir
Sem adiantamentos, sem vestígios de mal-estar

Passar o dia deitado em uma cama com o mesmo cheiro
A vaidade se expressando em um banho por dia
Sem a necessidade de estar se mostrando forte ou preocupado
Essa é a vida dos sonhos
Dos pesadelos, pois pesadelos nada mais são que sonhos ruins
Vontades insanas, desejos da mais pura falta de opção
O cálice cheio de silêncio transbordará em fogo

Quem observa de fora, acha o descontrole um ato controlado
Uma maneira de reagir ao medo de agir
Mas nem sempre o descaso consigo mesmo atinge o alvo
Corpos já sem vida, que se movimentam sob a luz da espera
Respiram, estranhamente ... pondo medo a quem sorri para disfarçar
Não alimentar o desgosto é uma lição difícil
Que se aprendo com a perda de algo irreparável

Há algum tempo em que fará sentido viver?
Anjos que destroem males, destroem o ódio
Covardemente ... eu ainda dormir quando fui roubado
Só me restaram o corpo meio inerte ...
E a alma fina e frágil
Estou indefeso, preciso me confortar diante de algo bom
Mas o que é bom desonra o que eu sempre senti
Então?

...

Não seria tão mal recomeçar?

Daniel Sena Pires - Anjos sobrevoando corpos já sem vida (11/12/2009)

Discurso ao rapaz do espelho



E quem não quer alguém para amar e se esconder do que não quer sentir?
Decepção é uma consequência natural das coisas, não há o que temer
Driblar os empecilhos, talvez seja algo que alivie o cansaço mais adiante
Porém, se atreveres a curvar-te diante da vida, perderás teu fôlego
E, sem ar, o mundo perde o efeito belo e sensível
Os esconderijos não te receberão com o mesmo entusiasmo
Então terás poucos dias de descanso

Os gritos alegres do sol na janela, parecem estar brincando com teu rosto, sem banho ainda
Várias horas perdidas num sono com sabor de exercício forçado
O tempo foi algo que machucou a vida dos homens sós
Feições fechadas, semblantes desligados ... Corpos desgastados
Nada mais que lágrimas solidificadas na pele, no sangue ... na alma
E estar bem é um acaso tão raro, um sorteio no destino confuso
Votos dos mais sinceros desejos, se concretizando a poucas mentes

Há no amor, um doce apego a tudo
Há na vida sempre um espaço para amar alguém, amar algo
E por que não se apegar ao amor e por consequência à vida?
Se nos dias que se seguem simples, mas sozinhos
Te dá no peito saudades de tudo, e tudo falta
Não que mereças estar assim, mas o estás
Procuras o que amar, e te concentras, isso é ser dono de si

Não adianta pedir verdade
Tudo pode ser tão fácil, complicamos porque gostamos de sofrer
Buscando estar convicto do que te traz vontade e vitalidade
O resto te vem com um toque de descanso
Então te acalmarás, caro rapaz
Esqueça o velho espelho e vá ao encontro do que te "anima"
E ame tudo o que te faz bem

Daniel Sena Pires - Discurso ao rapaz do espelho (02/02/10)

sábado, 23 de abril de 2011

Perfeito




Primeiro diz-se honesto, pra depois catar o ouro
E sempre carismático, bandido… alienado
Rouba porque sabe ser possível, nem pestaneja
Faz do pobre, imagem burra… faz do senso, pedestal
Encontra outros tantos, que gostam mesmo é de mandar
Ignora necessidade, ignora passado, e o futuro é besteira
Trata logo de se manter em pé, cair é a certeza da perda em benefício próprio
Oh, Deus… que nosso povo fez pra sofrer tanto?

Daniel S.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Lenço Negro





Hoje vai ser assim, roupa nova
Tudo novo?
A expectativa de se achar no abraço com o alheio
É confortante até o confronto verdadeiro
O miúdo braço contornando uma criança atormentada
Faz-se forte, mas num enlaço nem sempre total
Lenço negro da noite, pintado sobre o corpo que dorme
Ainda sob as telhas macias, quais caem e não se vê que cortam
Cortam pernas, pensamentos … cortam meninos, cortam máquinas
Essa ponte eu-universo feita de pedidos
Cravada com meu ouro e meu cansaço
Pois tudo cansa, e é tão falho
Um século de existência bem sucedida, pressupõe muita decepção pelo caminho
Não pretendo me arrastar, ou me conceder final sem meio
Porém mentir e não sentir, já não faz parte do que é ser
Já vesti todas essas roupas que proclamam o “ser normal” …
E a que melhor me serviu está na sala, vendo TV e assassinando o futuro.

Daniel Sena Pires  -  Lenço Negro (13/04/2011)

sábado, 2 de abril de 2011

Chopin


Gritei, até que fosse falta o ar que eu tinha
E, quando sem voz, enfim me arrisquei a me mexer de novo
A tristeza é sempre um pedaço tão intenso
Que dissolvida entre os dias
Transeunte entre os diversos detalhes
Nem se percebe o quanto consome tentar mascarar
E quem há de entender o motivo?

Fiz fogo com os braços, e ardeu
Tudo o que corta, me assusta
E tudo o que me assusta, me incomoda
E o incômodo é presente demais, passado demais

Em todo caso, eu mesclo força e exorcismo
E assim, fica mais fácil superar qualquer tropeço

Tudo que seja belo, tem algo de triste
E se tem algo de triste, pretendeu salvar-se alguém.

Daniel Sena Pires  -  Chopin (03/04/2011)

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Matéria-prima






Elegias espalhadas pela casa toda
O som no quarto, o som na sala, o som na bolsa
As unhas no chão, por onde tentei escapar

Existe ocupação tão dificultosa quanto perpetuar?
Eu juro que não sou o culpado por tudo
Tenho minha parcela em ação, mas e enquanto imóvel?
Enquanto eu aprendo, enquanto eu obedeço?
Posso contar mais de um segredo
E me manchar ainda sorrindo
Porém abduzir o que é mais perigoso se torna inevitável
Jamais serei curto, que se segure meus sentimentos com uma só mão
E nem tão infinito, que não se veja, e nem se sinta
A facilidade em não se esforçar
É o ponto neutro do conhecer a si mesmo
Plenitude é uma virtude longínqua, decerto trabalhosa
Uma ode ao espírito, mas que mata homens por cansaço
Cansa homens esforçados, mas sem vida
E homens sem vida, que nem fazem mais força

Somem-se todos os dias, milhares de segundos
E tomo meu caminho
Tomo algum vinho

Ora desfigurado, se é que tens de entender

Cada um com seus poréns
E todos contra todos.

Daniel Sena Pires – Matéria-prima (02/04/2011)