quinta-feira, 19 de maio de 2011

Das dádivas, das tarefas e das dores


Uma leve dor de cabeça, como se todas as falhas fossem consignadas
E, uma por uma, viessem tratando o corpo com maldade
Como se ninguém gostasse de te chamar pra conversar
Porque você fala demais, e não escuta nada do que dizem
Outra hora, numa das conversas diárias com algo que ainda não identifiquei
Falando sozinho, ao sair do quarto, ainda desesperado … sono distante
O estopim:
Ver que as coisas não mudaram, mesmo eu tendo pedido tanto
Prometi a mim mesmo, ontem, que chorar é coisa do passado
Mas me sinto ainda com os setenta anos da adolescência
Apesar do salto, e de tudo ter sido tão fácil e rápido
As cicatrizes estão amontoadas sobre um pouco de vontade que resta
Vontade essa que pra ser vista, me pede pão, água e igualação
Eu não tenho nada, que vontade vou ter?
Gosto, adoro, amo … venero as vezes que consigo me olhar
E saber que sou eu
Queria eu tratar as coisas com menos fixação
Mas se alguém me prova, eu fico triste
Mas se alguém está padecendo, eu preferiria que fosse eu
Posso gostar tanto dos outros, e de mim que vivo todo dia no mesmo corpo, mesma casa, e conheço bons e maus “amigos”, numa mesma proporção?
Acabo me tornando um ator, fingindo que viver é tão simples
Encenando que não me importo se não tenho com quem comentar que hoje eu estava bem …
Mas que da noite em diante eu sumi, eu não sabia o que fazer
Procurei olhar pro céu, e pro chão
Pelo menos não vi distância em seus infinitos
É tudo a mesma coisa, disso eu sei
Assim como sei que esses dias vão voltar
Minha melhor amiga, hoje … foi uma folha de papel
Essa mesma já antes rabiscada de “não consigo”
Falar pra quê?
Se quem diz ouvir, me oferece o seu plágio
Se o caso fosse ser indecente, eu mesmo cortaria relações com a minha alma
E não precisaria ficar acordado até agora, esperando essa tempestade passar
Gostar pra quê?
Se o que eu ofereço já não é o bastante pra nada
E por incrível que pareça, eu gosto disso aqui
Gosto de entender as minhas coisas, de saber que nunca há de entender-se completamente nada
Em quaisquer aspectos possíveis e imagináveis
Tem horas que a falta é tão grande, que enche todo o corpo
Encorpando até sorriso
Entendeste agora?
Por hora, eu estou sozinho
E as dádivas quais tantos enchem a boca e proclamam ao mundo
Podem me ser tarefas, às vezes árduas …
Às vezes impossíveis
Mas olha aí o susto de novo:
Eu ainda consigo.

Daniel Sena Pires – Das dádivas, das tarefas e das dores (20/05/2011)

(Pois ele estava certo, soa até inútil e redundante, de minha parte, dizer que um gênio estava certo ... mas é preciso fazer-se ver, não por crueldade para com os otimistas, mas por aconchego a quem nem sempre faz parte do "coro dos contentes". - Sobre Van Gogh)

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