Sentei em frente à vidraça Talvez fosse dia ainda, mas nem importava muito O último cigarro ainda enchia a sala de fumaça Da garrafa de vinho, talvez só duas gotas na rolha E hoje não é dia pra mais uma Como tudo se tornou isso? Como as coisas são tão fúteis agora? Pela manhã, o cansaço é espiritual Já à tardinha, o corpo pede menos E o dia vai-se indo, e não deixa força alguma “Ah, mas viva o dia... você é o que você faz” Alguém gosta de derrotas? Ser vencido pelo tempo é uma maldição Ser vencido pela vida, é aceitável... Mas não é certo Ser vencido pela alma... Mudei o pensamento, que tal lembrar a infância? Melhor não Outro dia, me socorri aos prantos lendo um pouco de Bukowski E depois sorri, afinal, optei por ser assim Concorda? O detalhe é que há tempos não me importa concordar com ninguém E não, ninguém escolhe as cicatrizes que quer carregar E nem as feridas que se vão abrir Ninguém quer sofrer E só eu não consigo entender isso A impressão é de que vivo cercado por gênios E todos têm a cura nas mãos Mas ninguém tem um inferno por dentro E ninguém está cuidando de ninguém Eu me esforço, o bastante... É o bastante? Eu faço o que eu posso fazer Faço? Eu não queria confusão com ninguém Acabei me confundindo comigo mesmo Eu sou uma ave de rapina Um pequeno pardal Um roedor indefeso E uma taça quebrada... Não consigo transbordar, em nada No fim das contas, acabo sempre secando, fugindo...
Há quem diga que caminhar com cuidado É pisar com a certeza que quem ama Pois sozinho, ninguém ganha E dizem mais...
Dizem que a esperança é um futuro amarelo Que o bom mesmo é desviar dos acasos Vencer todo dia, mesmo que doa E vai doer, uma hora ou outra... Às vezes anos inteiros
O bom é ter-se em mente que... Seja vida, seja sorte, seja coração, seja pensar O poder de governo é nosso
Não existe isso de ganhar mais Amar mais Sofrer mais
O que é existe é a vida Entrega e... Superação
Quando as coisas não vão bem Aquele tempo que poupamos... Descontando as horas extras de medo e angústia
Cai bem... Quem sabe no meio do colo E é bom olhar pro relógio, e ver o tempo passar
Um dia é tic, no outro o tac E assim vamos...
Hoje estou tentando um bom dia, todo dia Às vezes, eu choro Mas não é culpa minha
E se eu perco, ao menos... Não me desespero mais.
Daniel Sena Pires – Por alguém por aqui (23/12/11)
Quem nunca viu, cedo, na matina, o corpo, ainda preguiçoso, repulsar o dia? Bem, tudo é composto de querer... Se hoje você está triste, o seu querer não é obrigatoriamente longínquo Ele pode até lhe ser vizinho Pode lhe ter castrado a vida Ter cuidado com o que se deseja, é cuidar pra não morrer pela boca Ou morrer pelo corpo, pelo bolso Pela casa, pelas manias Pelo despreparo, pela impulsão É cuidar de si, como se os seus pedidos fossem realmente atendidos Não adianta olhar pro céu e abanar papéis em busca de consolo... Se você se dissolve em seu próprio desespero A angústia aprisiona, mas a liberdade é um bem... E, como todo bem, ela mesma precisa de proteção Em prol de nós mesmos, acredite...Só nós mesmos Harmonia entre homens e outros homens... É tão fácil quanto a vida de uma criança bandida De uma mulher mal amada De uma alma maltratada O peso do passado, às vezes nega-nos até o próprio sono O descanso que é bem-vindo Vida curta ao passado Que quando o presente tiver ido, e no futuro nos encontrarmos Fantasmas e dores imprecisas, tenham ficado... Não no esquecido, pois não acontecerá Mas sim, submissas, sob camadas de esperança.
Daniel Sena Pires – Vida curta ao passado (13/12/11)
Viver vale tanto quanto o ser se pode amar E meu ser é todo amor Pois aprendi que, mesmo em dor, posso voltar E no topo, com minhas decisões Jurando medo, ou minhas confissões... Beijando sangue Está tudo que disponho E nada me prende Sou dono da minha liberdade Concedo-a a mim, quando bem me quero Difícil é render seu próprio coração... Preocupado com o coração dos outros Ter “certeza” do que se sente Na espera do vão alheio não mais existir E eu sou assim Não disse que era fácil Nem disse que é bonito, feio, ou azul A complexidade da minha face... É solta ao mundo, como eu sou Não sou dado, sou conquistado E não sou tudo, mas pratico intensamente o meu “talvez” Um quase poliglota bêbado de sono da sorte Mas apostando alto Com as fichas sempre ardendo Eu sei onde estou pisando Mas, mesmo assim, às vezes, tenho medo Às vezes eu sonho com a tarde em que vi alguém me ver E dá saudades Às vezes nenhuma coisa me alivia essa saudade E dá raiva Meu ser é tão amante, coitado... Sofre tão angustiado... É horrível viver sempre com essa impressão de que... Falta tão pouco, e que vou ser feliz.
Vira e mexe, eu sonho alto, que no espaço não há fim pro meu querer Complicado, às vezes eu luto sozinho Sem culpar ninguém, é meu melhor jeito de ser feliz Quando eu grito muito, é sempre precisando de proteção Demonstro fraquezas adversas Catequizando todos os meus sentimentos Vendando os olhos do fracasso interno Que acompanha toda e qualquer diversão Eu juro que não estou sorrindo E o sofrer é o padecer da culpa E isso é o que mata por dentro Não basta só doer, a dor fica te culpando A cabeça numa matemática devastadora Numa incompreensão de dar emprego à morte Fugir? Eu só não posso mais ouvirsó barulho
O uivo dos lobos viciados Pois chegou a hora de roubar paz Quero algo pra encostar Um pouco de voz pra ouvir Um pouco de tom, ao falar
Eu não tenho medo de mim Ou eu não posso ter.
Daniel Sena Pires – O uivo dos lobos viciados (07/12/11)